“Estamos todos presos
fora dum abraço, sentenciados a uma pena de liberdade perpetua”. Eu
acrescentaria que fomos também fadados a uma sanção de esquecimento perpetuo. Alguém
julgou que assim fosse melhor. Deus talvez? O juiz não me importa, embora duvide
muito deste, desse ou daquele sempre onipresente, se não fosse por talvez sua
decisão, sofreríamos todos pelo desconforto do cotidiano, dos rostos já
conhecidos e dos sinônimos já escutados.
sexta-feira, 28 de junho de 2013
Ao não desnecessário esquecimento.
Um pouco de João Cabral.
"Difícil ser funcionário
Nesta segunda-feira.
Eu te telefono, Carlos
Pedindo conselho.
Não é lá fora o dia
Que me deixa assim,
Cinemas, avenidas,
E outros não-fazeres.
É a dor das coisas,
O luto desta mesa;
É o regimento proibindo
Assovios, versos, flores.
Eu nunca suspeitara
Tanta roupa preta;
Tão pouco essas palavras —
Funcionárias, sem amor.
Carlos, há uma máquina
Que nunca escreve cartas;
Há uma garrafa de tinta
Que nunca bebeu álcool.
E os arquivos, Carlos,
As caixas de papéis:
Túmulos para todos
Os tamanhos de meu corpo.
Não me sinto correto
De gravata de cor,
E na cabeça uma moça
Em forma de lembrança
Não encontro a palavra
Que diga a esses móveis.
Se os pudesse encarar...
Fazer seu nojo meu...
Carlos, dessa náusea
Como colher a flor?
Eu te telefono, Carlos,
Pedindo conselho." - João Cabral de Melo Neto
Nesta segunda-feira.
Eu te telefono, Carlos
Pedindo conselho.
Não é lá fora o dia
Que me deixa assim,
Cinemas, avenidas,
E outros não-fazeres.
É a dor das coisas,
O luto desta mesa;
É o regimento proibindo
Assovios, versos, flores.
Eu nunca suspeitara
Tanta roupa preta;
Tão pouco essas palavras —
Funcionárias, sem amor.
Carlos, há uma máquina
Que nunca escreve cartas;
Há uma garrafa de tinta
Que nunca bebeu álcool.
E os arquivos, Carlos,
As caixas de papéis:
Túmulos para todos
Os tamanhos de meu corpo.
Não me sinto correto
De gravata de cor,
E na cabeça uma moça
Em forma de lembrança
Não encontro a palavra
Que diga a esses móveis.
Se os pudesse encarar...
Fazer seu nojo meu...
Carlos, dessa náusea
Como colher a flor?
Eu te telefono, Carlos,
Pedindo conselho." - João Cabral de Melo Neto
terça-feira, 25 de junho de 2013
Desejável caráter.
Há tempos, ou há algum tempo,
que ando a fim de que este meu caráter mude.
Este que não defino se sincero ou mentiroso, concreto ou abstrato,
perfeito ou “zuado”. Este caráter que não me cabe mais, pois se uma manga é
curta, a outra exagerada; uma perna fina e a outra larga. Sobram-se botões nesta
fantasia mal costurada. O pior é que não foi alugada.
Mas eis alguns remendos e
costuras pra que a mim este caráter se reajuste: Quieto. Surpreendido pela
misticidade e descuidando a futilidade. Altista do mundo que criei e me
acostumei. – Quase simulo o altruísmo, esse tal transtorno não deve ser mais
difícil. Não posso esquecer de ser meigo com os meus caninos como aquela é com
os dela. Envergonhado e agradecido. Com o assunto dos outros me sinto
entretido. A ironia? Esqueço, talvez a relembre em meros textos. Sinceramente
ingênuo e sensível de forma triste e não raivosa aos outros argumentos. Pretendendo
ir à Londres, mas sem esquecer fascínio pelo carnaval. E em fim? Sem fim, vestido
à caráter para esta festa a fantasia em que tema nenhum foi decidido.
domingo, 23 de junho de 2013
O meu e o seu cobertor magico.
Sou dono de um cobertor
magico. Aliás, todo dono de algum cobertor escuro é dono de um cobertor magico.
Me dei conta de tal subjugada posse enquanto me contorcia na cama, em busca
duma posição confortável suficiente a ponto de me ajudar a pegar no sono. Fica
até vergonhoso após dezoito anos, dormindo quase todos os dias, não lembrar se
prefere de bruços, com um travesseiro sob a cabeça e com um dos joelhos dobrado
ou com os pés para a cabeceira e sem travesseiro, apoiando a nuca nos braços.
Nessa vergonhosa e socialmente desimportante indecisão, decidi me cobrir
da cabeça aos pés com aquela manta mágica. Já era dia, talvez eu não
precisasse mais tentar estar dormindo, mas era domingo e a preguiça... Mais a
preguiça do que o domingo. Já era dia quando consegui enxergar a mágica do meu
cobertor, a luz daquela manhã escorrendo por entre as desgastadas linhas de
algodão e aparentando uma deformidade única, logo perfeita, imitando o silencio
de alguma constelação.
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