Desencarando o pedaço de
frango e desviando o olhar para uma suposta mosca, hora no chão, hora no teto. É assim que meu gato atua enquanto almoço. Atua, representa e engana. Talvez, a
convivência comigo o tenha proporcionado mais dessa desfortuna habilidade de dissimular,
que aliás, muito bem lapidada por todos nós. Não recitei Shakespeare, nem
Gil Vicente para um gato, consideraria plausível essas hipóteses se não me
incomodasse outra suspeita menos engraçada. Como raramente me aflijo por insistências
ou rogações, o felino acabou descobrindo que fingir desinteresse e indiferença
rendem mais suculentos pedaços de proteína do que ficar miando e enrolando seu
rabo em minha canela. Há as vezes que me julgo impiedoso por não dar a mínima para
choros e inquietações, mas logo me lembro de taxar como comum aquele famoso ato
de mesma crueldade, o ironicamente apelidado “cu doce”, que de doce, afetuoso; amável;
agradável; açucarado, não tem absolutamente nada.
Mas essa peça felina se desmonta
quando maldosamente balanço um respingo de filé em frente ao seus olhos, antes
calculistas, agora dilatados.
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